Dois dias após A Tribuna On-line noticiar um caso de agressão contra uma equipe do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) de Guarujá, um episódio semelhante voltou a ocorrer na mesma cidade.

A socorrista que faria o atendimento e acabou sendo vítima de agressão, juntamente com o condutor da unidade móvel, conversou com a Reportagem. Para ela, que prefere não revelar a identidade, o que ocorreu não muda sua motivação de ir para o trabalho todos os dias, mas os episódios de agressões verbais e físicas, cada vez mais corriqueiros, fazem a equipe "ir trabalhar na defensiva".

O caso

Tudo aconteceu na segunda-feira (1º). Por volta das 20h15, o atendimento do Samu foi requisitado em um apartamento na avenida da praia, nas Pitangueiras. De início, o solicitante, segundo ela, foi educado. "Recebemos um chamado de prioridade alta referente a uma senhora de 92 anos com crise de bronquite. Foram quatro minutos da base até o apartamento. Fomos bem recepcionados pelo solicitante, seu filho, e fui verificar como ela estava".



Após constatar que a paciente já respirava normalmente, a atendente informou aos solicitantes que seria feita uma consulta na ambulância e, se houvesse necessidade, seria feito o encaminhamento para a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) da Rodoviária.

"Ele me questionou em relação ao local de atendimento, e expliquei que ela seria removida para o PAM (UPA Rodoviária), porque o Samu é municipal. Ele, já com certa prepotência, disse que em São Paulo o Hospital das Clínicas é estadual e de referência, pedindo que o atendimento fosse feito na residência".

Ela disse que foi em vão a tentativa de explicar ao filho exaltado da paciente que o Samu não atende em domicílio. "'Pode ir embora', ele disse, já com outro tom de voz. Ainda respondi educadamente, dizendo que se ele achasse necessário, poderia ligar novamente para o serviço".

Foi então que as agressões passaram a ser também físicas. "Ele nos chamou de palavras que não preciso repetir e começou a nos empurrar, xingar e cuspir na nossa direção enquanto íamos para o hall. A sorte é que o elevador estava chegando e conseguimos entrar, mas nisso ele tentou dar uma cabeçada no condutor e chegou a empurrá-lo contra uma parede".

Terminado o episódio de agressão, a enfermeira e o condutor da unidade registraram um Boletim de Ocorrência. As memórias do episódio, porém, continuam. "Nós nem tivemos reação, só quisemos sair de lá o mais rápido possível. Não sabemos o que uma pessoa dessas pode fazer numa situação assim. E se estivesse armada? Passar por isso, a longo prazo, causa um dano psicológico. A pessoa cuspindo na sua direção, tentando dar cabeçada? É complicado", lamenta.

Corriqueiro

Ouvir xingamentos dos solicitantes é algo corriqueiro, segundo a enfermeira. "Guarujá está com poucas viaturas, então o atendimento acaba se estendendo e as pessoas se irritam. Mas esse, de agressão física, de passar por uma situação constrangedora dessas, foi a primeira vez."

Além de um eventual acesso de raiva dos solicitantes, há também a preocupação com a falta de segurança, diz. "Já teve equipe sendo assaltada, bandidos mostrando armas para equipe. Dependendo do local onde é a ocorrência, pedimos para a PM nos acompanhar".

O local da ocorrência também espanta a vítima. "O primeiro caso foi numa periferia e o que aconteceu comigo foi numa área nobre. Não tem mais classe social (para acontecer algo do tipo)". A enfermeira também chama atenção para a recusa de atendimento por parte do filho da senhora de 92 anos. "Inclusive, ele foi negligente com a mãe. Se ela estava passando mal e ele recusou o atendimento, isso entra no estatuto do idoso".

Só BO, não

A socorrista conta que ainda pensa em tudo que aconteceu. ''Chegamos à conclusão de que não podemos simplesmente fazer BO. Mas não vou deixar isso me abalar. Graças a Deus a gente ainda é mais bem recebido do que mal tratado".

Contraponto

Apesar dos recentes casos de agressões a funcionários do Samu, algo injustificável, há quem diga que o atendimento prestado por alguns profissionais é grosseiro e pode levar uma pessoa de cabeça quente a uma atitude exagerada.

A auxiliar administrativa Neusa Maria dos Santos Oliveira recentemente passou por uma experiência negativa com uma enfermeira do Samu. Segundo ela, além da equipe ter demorado uma hora para chegar ao local, ainda precisou ouvir desaforos.

O caso aconteceu no dia 22 de janeiro. A irmã de Neusa, que mora no interior, estava na casa dela com muita dor de cabeça, mas tinha tomado um remédio e ido dormir. Porém, às 4 horas a acordou falando que havia piorado e desmaiou.

“Felizmente ela voltou (acordou) rápido. Meu irmão estava em casa com o carro, mas como ela não se sentia bem optou por chamar o Samu para ir de ambulância. A equipe demorou uma hora para chegar e, quando chegou, a enfermeira disse que não teria como carregar a minha irmã”.

A moradora conta que essa foi a primeira frase da profissional, que só subiu depois que Neusa disse que ajudaria a levar a irmã para o veículo.

“Acredito que tenham se assustado com o meu tamanho, pois sou alta, mas minha irmã é pequena. Eles subiram (enfermeira e motorista) avaliaram a minha irmã e disseram para que levantasse e descesse, mas ela não tinha condições. Estava mal”.

Sem a ajuda dos profissionais, a solução foi colocar a irmã sentada em uma cadeira de escritório, com rodinhas e levá-la até o elevador. “A enfermeira continuou reclamando e dizendo que não precisava daquilo. Levei até onde pude, depois minha irmã teve que descer sozinha as escadas, assim como entrar andando na UPA da Enseada. Não sei como conseguiu”.

Após passar por consulta médica, a paciente foi levada para a sala de medicação e foi informada que tomaria tramal. “Minha irmã já tomou esse remédio e a pressão dela caiu. Ela passa mal. A enfermeira pegou a guia e entregou na minha mão e disse: vai la e fala para médica que ela (irmã) não quer tomar esse remédio”.

Neusa conta que o atendimento desrespeitoso continuava. “Minha irmã pediu para deitar naquelas cadeiras que reclinam, mas uma outra enfermeira disse que o procedimento era rápido e que não havia necessidade. Pedi para levá-la e deixaram, mas não ajudaram em nenhum momento”.

A auxiliar de administração diz que a irmã, mesmo com dores, pediu para voltar para casa. “não deixei. Estávamos lá e ela muito fraca ainda precisou tomar soro. Não sou favorável a agressão, mas a forma como eles atendem pode provocar alguém mais explosivo”.

A moradora critica, ainda, a falta de uma informação correta da central do Samu. “Disseram que a equipe já estava a caminho, mas demorou uma hora. Poderia ter pedido para meu irmão nos levar de carro ao hospital”.

Resposta

Em nota, a Secretaria de Saúde de Guarujá informa que os servidores que sofrem agressões são orientandos a elaborarem um Boletim de Ocorrência para acompanhamento criminal por parte da Polícia Civil. Além disso, a ocorrência é considerada acidente de trabalho e, por isso, os servidores são encaminhados Casa de Apoio ao Servidor. Lá, o funcionário passará por médico ocupacional, assistente social e psicológico para dar amparo e suporte para o retorno ao trabalho.

No caso especifico do Samu, a coordenação explicou que apesar de não haver evidência de agressão física, pois ocorreu agressão verbal e empurrões, a situação foi tratada como grave. O paciente necessitava passar por uma avaliação médica para a prescrição correta da conduta farmacológica mais adequada, porém os familiares desejaram apenas o atendimento local, o que levou a discordância. "Em nenhum momento houve negligencia no atendimento e desassistência ao paciente".

Ainda segundo a Administração Municipal, os servidores optaram por continuar no plantão mesmo havendo a possibilidade de serem liberados.

Em relação ao caso de Neusa, a Secretaria de Saúde informa que o atendimento dos funcionários do Samu segue um padrão de profissionalismo, visando o mais importante naquele momento, que é salvar uma vida. "Algumas vezes, não é possível conversar ou ser cortês com acompanhantes, pela agilidade e foco que o primeiro atendimento merece", diz o texto.

A Prefeitura diz que os atendimentos são focados na extrema emergência e pede a compreensão da população para que em casos não tão graves, e que o munícipe consiga se locomover, que vá a uma unidade de saúde por conta própria.

Em relação demora no atendimento, a Administração Municipal diz que o tempo de espera padrão do chamado é de 15 minutos, podendo variar dependendo da localidade onde o paciente esteja. "Fatores como trânsito, distância, dentre outros, podem aumentar ou diminuir este tempo de espera. A Secretaria disponibiliza o telefone da Ouvidoria Municipal (0800-773-7000) e o da Secretaria de Saúde (3308-7790) para atendimento ao munícipe", destaca o texto.

Por fim, a Prefeitura informa que, atualmente, o Samu conta com três ambulâncias, uma unidade avançada e duas motolâncias, pela manhã e, à noite, são duas ambulâncias e uma unidade avançada. A equipe é composta por 13 técnicos em enfermagem, 16 condutores, 12 médicos e oito enfermeiros.
fonte a tribuna